sexta-feira, 26 de agosto de 2011

DAS PESQUISAS RELATIVAS AO USO DA AYAHUASCA E MEDITAÇÕES DECORRENTES

Por Régis Alain Barbier


Muitas das pesquisas investigando o uso da Ayahuasca revelam ser decepcionantes. Com frequência, indagam questões supérfluas, relativas à renda, ao uso atual ou pregresso de drogas, inclusive proibidas pela lei vigente! Perguntas reportando a uma situação societária proibitiva, classista, decursos políticos despertando sentimentos defensivos, alheios ao verdadeiro espírito ayahuasqueiro. Carecemos de pesquisas focadas na investigação da ação estética, ética e espiritualista da Ayahuasca, investigando os processos de mudança e transformação tipicamente associados ao uso significativo do Chá. 

Perguntas e questionários retirados dos instrumentos usados em psicologia – do conjunto dos métodos quantitativos da psicométrica - para detectar ‘doenças mentais’, patologias psíquicas rotuláveis nas rubricas do Código Internacional das Doenças (CID), destinados a revelar e mapear alheamentos diversos: em relação ao tempo, ao espaço, à identidade e falhas grosseiras da percepção, desvios graves do humor, da cognição e comportamento não são capazes de revelar o efeito essencial do Chá Ayahuasca. Do ponto de vista da justa investigação dos processos de mudança induzidos pelo uso da Ayahuasca, tais pesquisas são inúteis, tanto nas suas axiologias quanto nos seus métodos!

Devemos estar cientes de que a dita “neutralidade acadêmica” (expressa como um cuidado em não ‘induzir’ respostas, selecionar uma casuística suficiente - não casos isolados -, operar análises estatísticas válidas dos dados colhidos, mencionar os possíveis conflitos de interesses, etc.) funciona apenas no âmbito da pesquisa em andamento, não na esfera deontológica: a seleção do que se deve pesquisar e com que intuito. As intenções que motivam as pesquisas existem, são apriorísticas, jamais neutras, muitas vezes tributárias de encomendas, financiamentos, linhas históricas e políticas de busca, orientações disponíveis e direcionamentos. Raramente refletem, apenas, de modo singelo e imediato, uma inata “curiosidade científica”, irrompendo, sem apriorismos, nos descampados da natureza, assim como pelos dédalos da cultura e suas objetificações! 

Não se é ‘neutro’ na hora de eleger assuntos a serem pesquisados: intuitos motivadores e paradigmas subjacentes, conscientes ou não – introjetados nas fileiras e nascedouros onde o impulso de pesquisa acontece e se concretiza, ou premeditados, examinados - norteiam as escolhas. Parece evidente: dificilmente estar-se-á ‘neutro’, indiferente, destituído de pré-concepções, abordando um fenômeno desafiante como o uso social de um Chá psicodélico (com efeitos psíquicos), gerador histórico de debates, momentos proibitivos, investigações e pareceres legais! 

Essas ‘opiniões previas’ - pulsões atuantes e motivadoras, incorporadas e conotadas na escolha dos assuntos a serem pesquisados, expressas nos títulos, elencadas em pretensões às vezes contraditas pelos métodos e pela coleta preliminar dos dados - demonstram, com frequência, carecerem de introspecções, ordenamento e domínio: evidências que se revelam através da praxe, dos resultados, do que se julga significativo e digno de ser mencionado, publicado e enfatizado, da tendência que terá a pesquisa no sentido de dirigir a opinião societária e os direcionamentos críticos relativos ao uso do Chá: decursos que não se normatizam, ou ‘neutralizam’, nas aplicações epistemológicas operacionais e padrões, mas que decorrem embutidos nas opiniões e motivações que prevalecem assentadas em coisas ignoradas, inconscientes, coletivas, muito longe de serem meditadas, profundamente refletidas. 

Nota-se bem que no caso dos assuntos referentes a analise crítica do uso do Chá Ayahuasca, tais opiniões preconcebidas podem não pertencer, originalmente, aos pesquisadores, mas passar sem crivo, como uma retórica geral, em sintonia com o ambiente acadêmico, que deve, por estar licenciado e comprometido com o sistema, acompanhar a ideologia geral – que é de ‘aceitação provisional’, ‘suspeitosa’, pronta para se tornar negativa frente ao menor índice sugerindo tal inclinação. 

Outrossim, é provável que pesquisas dedicadas a investigações secundárias e fragmentadas (pondo ao lado a temática central: o Chá é usado para fins ritualísticos e espirituais), buscando possíveis efeitos mensuráveis do Chá na cognição, equilíbrio físico, psíquico, memória, foco e concentração, interesse pelos estudos, etc., sejam promovidas por investigadores desatentos e desfocados em relação ao que é central e justifica, com clareza, o uso do Chá, logo, refletindo os sentimentos gerais e padrões, acentuados na esfera outorgada e subvencionada da academia: “aceitação provisional”, senão rejeição.

Tal poção misteriosa, de eventuais ‘efeitos colaterais’ menores, que apenas se acham com dificuldade em pesquisas laboriosas e discutíveis, mas cujo efeito central, estrondoso, cura a ignorância e clareia um sentido e vontade forte e viçosa de viver, exige uma metodológica específica, tributária de uma justa e precisa motivação e intenção.

Da pesquisa necessária

Primeiro: uma necessidade de cuidado deve ser conferida, entrar na praxe de todos os grupos ayahuasqueiros, através de (auto) questionamentos eficazes: Qual o interesse específico da pesquisa do ponto de vista do exame justo e preciso do efeito essencial do Chá em estudo: a evolução espiritual? Qual o entusiasmo, dedicação e preparo dos pesquisadores em bem empreender essa tarefa? 

Segundo: decorrente do discurso introdutório, penso ser o nosso dever, como ayahuasqueiros, favorecer e escolher contribuir para certas pesquisas: 1: operadas com neutralidade, isto é idônea, mas, 2: preconcebidas e escolhidas com clareza, com a intenção precípua de destacar os efeitos universalmente constatados, que denotam os usuários: a transformação positiva do estado-de-ser, com motivação no sentido de um exercício vivencial ético e virtuoso. (Não há porque dar asas e fornecer subsídios a pesquisas oriundas do campo dos que não sintam, intuitivamente, esse foco essencial: o bom e sublime, o impulso ético oriundo da experiência). 

A função social positiva do Chá é evidente, não exige extensas e dúbias pesquisas para ser comprovada: apenas uma anamnese curta e precisa, bem conduzida. A axiologia da pesquisa que necessita ser empreendida pelos que conhecem o Chá Ayahuasca e honram os seus efeitos, possui como premissa maior e primeiro postulado:

1: A grandiosidade salvatéria dessa bebida ancestral, como um remédio, demonstra e faz reconhecer, a quem estiver em afinidade bioquímica com ela, que a vida não faz sentido sem um talento estético intenso, o suficiente para se esclarecer e realizar numa visão indubitável do Belo, o divino Baal dos fenícios, traduzido como Bêlos e identificado a Zeus pelos gregos (ver nota 1).

 2: A premissa segunda, decorrente, primeira para quem reconhece e sabe, mas segunda por advir por indução do santo remédio, é: o amor sapiente, universal, embora central e vital, é fenômeno relativo à realização eficaz da unidade essencial, da união, do Belo, que o Chá Ayahuasca, aos seus diletos e afins, permite conhecer, de imediato: a realização mística, consagração perene, pronau essencial e indiscutível do amor que transcende todos os obstáculos. 

3: Concluindo: o Chá Ayahuasca pode ser um instrumento efetivo, permitindo o reconhecimento do Belo, da unidade de todas as coisas, proporcionando a realização mística, consagradora e magna do amor universal, com decorrente transformação psíquica profunda, retomada de um sentido de vida intenso, com frequência  notório – sentido muitas vezes assombrado nos dédalos ingratos e corruptos do sistema societário e civilizatório vigente.  


Conclusão:

População ayahuasqueira! Tal é a pesquisa que convido a todos a empreender, suportar, disponibilizando as suas evidências preenchendo o questionário que podemos elaborar juntos.

Nota
[1] Salomon Reinach. “Orpheus - Histoire générale des religions”; L’Harmattan, 1909 [2002]. Paris; p. 60.

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